Amigos, isto nao vai la com esse tipo de molezas...
O Isento descobriu este texto quase jacobino-liberaloide num vergonhoso site de esquerdaças salazarentos. Reparai na conversinha da treta típica copinhos de leite:
O DITADOR QUE EXTINGUIU A DITADURA
Uma das grandes preocupações de Salazar, mal ascendeu ao Poder, foi institucionalizar a situação criada pelo 28 de Maio. Era um homem de Direito, queria um Estado de Direito. Daqui o haver sido plebiscitada a Constituição antes de decorrido um ano sobre a sua posse como Presidente do Conselho.
A situação estabelecera forças de que os militares não abdicavam facilmente, em redutos que o estadista acabou por aproveitar, conservando-os embora nas mãos de oficiais do Exército. Tal sucedeu, por exemplo, com a Censura à Imprensa e com as Polícias.
Em todo o caso, ele sustentou durante anos uma luta tenaz pela defesa do poder civil contra a oligarquia militar, da mesma maneira que teve a maior firmeza em defender o poder civil da elite católica a que estivera ligado. A esta, aliás, preveniu-a antes de tomar posse do cargo de ministro das Finanças, com estas palavras que as «Novidades» publicaram no próprio dia 27 de Abril de 1928:
Diga aos católicos que o meu sacrifício me dá o direito de esperar deles que sejam de entre todos os portugueses os primeiros a fazer os sacrifícios que eu lhes peça e os últimos a pedir os favores que eu lhes não posso fazer.
Acerca da forma como Salazar conseguiu refrear a tropa, correu na altura em Lisboa a seguinte graça:
«É o mesmo processo que se emprega para os croquettes: primeiro estende-se a massa; depois corta-se a massa; a seguir enrolam-se. Quando estão prontos, picam-se com um palito e comem-se».
Essa e outras pilhérias do mesmo género eram uma das armas da má-língua nacional a fomentar desde o início o desentendimento entre o ministro das Finanças e as Forças Armadas.
À medida que institucionalizava o regime, Salazar ia fazendo o possível para restituir as Forças Armadas à sua função específica. Não era fácil, dizíamos, porque a muitas das situações criadas só o tempo poderia acudir.
Em 1936, quando começou a guerra de Espanha, os chamados republicanos do país vizinho atravessavam impunemente a nossa fronteira, de armas na mão, para virem fuzilar e fazer prisioneiros em território português. Salazar quis saber de que forças dispúnhamos para impor a nossa autoridade. Se tivéssemos então a mentalidade que foi, perto de quarenta anos mais tarde, a de alguns gloriosos militares, ter-se-ia recorrido a uma solução política, a qual seria por certo agacharmo-nos e deixar os outros fazerem o que quisessem. Salazar torceu-se com a informação: não tínhamos meios para nos defendermos. Assegurou então em conselho de ministros:
- Espero que nunca mais nos aconteça o mesmo.
Começaram aí os esforços maiores para o rearmamento do Exército. E daí também a atitude tomada em face dos acontecimentos que iam arrastar-se na Península.
Não faltaram na altura ao Presidente do Conselho português desentendimentos de alguns países amigos, mas ele foi de uma firmeza que não cedia. Mais tarde viriam a dar-lhe razão os que acabaram por compreender o significado real da guerra de Espanha e sentiram a utilidade da aliança peninsular na zona de paz que as duas nações da Ibéria puderam ser durante a II Grande Guerra.
O homem de Direito, dizíamos, queria um Estado de Direito. Não queria uma ditadura, ele que foi ao depois tão apodado de «ditador», nem deixou nunca de insistir no carácter transitório da situação ditatorial, a que pôs termo.
Plebiscitada a Constituição, começou a elaborar, cautelosamente, entre as dificuldades causadas pelos acontecimentos externos, a par da estruturação, o funcionamento normal das instituições, que as não queria apenas no papel.
Certo, o orgulho não podia deixar de exultar no êxito da sua obra, mas não deixava de se reflectir também na prevenção de que ela resistisse e perdurasse para além da vida do construtor:
Passa breve a memória dos homens na história e na memória dos povos, nem politicamente convém - tanta vez as circunstancias obrigam a sacrificá-la - consubstanciar numa individualidade, por mais alta e poderosa que seja, todo o futuro duma obra colectiva.
Num trabalho, que haveria de ser necessariamente extenso, sobre a evolução do pensamento de Salazar, não poderia deixar de ressaltar, documentada passo a passo, a rectificação constante dos seus conceitos e dos seus métodos. Tinha, é certo, uma linha de acção, logo ao princípio definida - o financeiro, o económico, o social, o político - numa ordem em que se traduzia um pensamento e um programa de realizações, baseados não no critério da excelência senão no da conveniência da execução prática. Num ou noutro ponto haveria concepções limitadas, perspectivas em que o professor de Coimbra não tinha os horizontes (nem as limitações) de um homem de governo, instalado em Lisboa, perante dificuldades que se alargavam a todas as longitudes da Terra. Quem publicou, por exemplo, o Acto Colonial, não pensava da mesma forma que o futuro defensor da unidade imperial portuguesa. Aprendeu muito com alguns dos que o consideravam seu inimigo; e esta verificação, longe de o diminuir, só pode significar homenagem à sua inteligência, à sua maestria na arte da política, às rectas intenções do seu proceder.
Não lhe bastava, contudo, governar bem. Era mister que os actos do governo fossem apreciados publicamente, em estrita objectividade, sem paixões e sem relação com as pessoas dos governantes.
Três meios havia para o conseguir: a Imprensa, a Assembleia Nacional e o Tribunal de Contas.
Quanto à primeira, Salazar não se atreveu nunca, apesar de solicitações que nesse sentido lhe foram apresentadas, a extinguir a censura prévia aos jornais, recebida em herança da Ditadura Militar. Era um dos feudos das Forças Armadas. O outro era a polícia política. Só no tempo de Pedro Teotónio Pereira, ministro da Presidência, a direcção da Censura foi confiada a magistrados de carreira.
Às ofensivas contra a Censura o estadista reagia com a opinião de que ela era mais educativa da forma de convivência política dos portugueses dos diferentes sectores do que repressiva do pensamento. E, uma vez pelo menos, em que falou sobre o assunto com o director de um jornal de grande informação, perguntou-lhe se tinha alguma razão de queixa da Censura, se esta era opressiva como diziam. A resposta foi negativa:
- Nada, nada! Corta uma ou outra coisa sem importância, uma ou outra expressão de pormenor, mas nada que prejudique a vida normal do jornal, nem o esclarecimento da opinião publica...
É de notar que a Censura, por um lado, tranquilizava os directores dos jornais, na medida em que os dispensava em grande parte do controle da matéria a publicar, e por outro era uma entidade à qual com frequência atribuíam as culpas da não publicação de artigos e notícias de cuja existência sequer a Censura ignorava.
Mais do que uma vez, um ou outro autor foi à Censura protestar por ter sido cortada a sua prosa e ouviu a explicação admirada do censor:
- Mas esse artigo não nos foi mandado!
A uma pergunta sobre a Censura, que lhe fizera em entrevista o escritor brasileiro Álvaro Lins, antes de ser embaixador do seu país em Lisboa, Salazar respondeu:
- Enquanto a nossa Imprensa não conseguir criticar o Governo dizendo que determinada decisão está errada por esta, aquela e aqueloutra razão, em vez de se limitar a dizer que o senhor ministro Tal é burro ou é desonesto, parece-me que a Censura continua a ser indispensável.
Em compensação as outras formas de crítica à actividade governativa foram perfeitamente exercidas. Todos os anos a Assembleia Nacional designava uma comissão encarregada de ler e apreciar as contas gerais do Estado. Foi relator dessa comissão durante muitos anos o Engenheiro Araújo Correia, muito conhecido pela sua independência de espírito e pelo seu desassombro. Não poupava ministros nem serviços do Estado, que saíam por vezes mal, feridos pelas apreciações da comissão.
Falando duma vez a respeito do relator, o Presidente do Conselho comentava:
- O sr. Engenheiro Araújo Correia aproveita o exame das contas do Estado, para ajustar as suas contas com alguns ministros.
O terceiro elemento de fiscalização, o Tribunal de Contas, não se continha nas suas exigências de explicações aos serviços e, algumas vezes, determinou que fossem repostas, a qualquer nível de hierarquia burocrática, importâncias pagas fora dos preceitos rígidos da lei. Bons tempos! ...
Na vedoria da administração pública a Assembleia Nacional dispunha, além do exame feito pela comissão, das intervenções dos deputados. Para um governante encerrado no isolamento do se gabinete de trabalho, conhecendo o que se passa cá fora através das informações dos serviços, dos contactos com os ministros, dos relatos dos jornais (tanta vezes feitos sob influências), de carta escritas com frequência pelos interesses e paixões pessoais, e de alguns raros íntimos, as questões apresentadas no parlamento por deputados mais recalcitrante valiam como elemento de conhecimento não despiciendo. Ainda que pudessem desagradar-lhe, o Chefe do Governo considerava-os necessários.
Assim foi que defendeu a presença. na câmara do Prof. Jacinto Ferreira pelo desassombro com que ele apresentava problemas de inegável interesse geral. Aquele deputado, porém, dirigia semanário monárquico «Debate», onde em certa ocasião se publicou, disfarçada, uma censura ao Presidente da República, general Craveiro Lopes, a propósito da visita deste ao Minho. Na lista do deputados elaborada pela União Nacional para as primeiras eleições de deputados que se realizariam a seguir, o nome de Jacinto Ferreira não constava entre os reelegíveis. Salazar repontou:
- Falta aqui o nome daquele rapaz que é professor de Veterinária...
Mário de Figueiredo, que não gostava de Jacinto Ferreira, explicou-lhe:
- Lembras-te de que publicou no «Debate» um ataque ao Chefe do Estado? Apresentá-lo à reeleição pareceria acintoso...
0 Presidente do Conselho torceu-se, mas aceitou. Um dos seus preconceitos era o respeito escrupuloso pela pessoa do Chefe do Estado.
Aconteceu um caso semelhante com Henrique Galvão. Era este um oficial inteligente, bom escritor, aventureiro com inegáveis qualidades de realização mas também com uma fantasia, uma irrequietude, uns excessos e umas faltas, que incomodavam. Nomeado inspector da administração ultramarina, depois de alguns anos de trabalho no Ultramar, acabou por ser posto à margem, sem que os ministros o encarregassem de qualquer actividade.
Quando Marcelo Caetano foi chamado para ministro das Colónias, encontrou no ministério aquele inspector de remissa. Perguntou porquê. Que era um homem complicado e pouco honesto, diziam-se coisas... Mandou vir o processo do funcionário. Ao espírito rectilíneo do ministro repugnava a permanência de um funcionário a ganhar sem produzir. Ou era competente e trabalhava, ou não era e mandava-se embora.
Henrique Galvão passou a prestar serviço como inspector e, entretanto a União Nacional entendeu por bem apresentá-lo entre os candidatos a deputados que patrocinava.
Numa das suas inspecções em Angola deparou-se a Galvão um caso de negociata graúda em que eram lesados os interesses do Estado. Fez um longo relatório sobre o assunto e apresentou ao ministro, já então Teófilo Duarte, sucessor de Caetano. Teófilo era um homem honestíssimo, mas estava afundado em trabalho mais urgente. Pôs de lado, para ler depois, o volumoso processo apresentado pelo inspector. Este, impaciente com a demora, resolveu levar o caso à Assembleia Nacional. E então o ministro exasperou-se: viu naquele acto um delito de publicação de matéria confidencial do ministério por parte de funcionário responsável e, sobre a inconfidência de serviço, a incorrecção pessoal. Simplesmente o funcionário gozava das prerrogativas parlamentares. Teófilo encanzinou-se, e se não buliu em Galvão também não lhe perdoou.
Tempos volvidos, quando se preparava nova eleição para deputados, Salazar aconselhou a União Nacional a incluir entre os dos candidatos que patrocinava o nome de Henrique Galvão, cujas revelações na Assembleia foram para ele esclarecedoras. Galvão, porém, necessitava, como funcionário, da autorização prévia do ministro para se candidatar. E aqui Teófilo foi inexorável: negou a autorização.
Salazar insistiu. Chegou a encarregar o presidente da comissão executiva da U. N. de pedir a Teófilo que assinasse a autorização. Que era o próprio Doutor Salazar que lhe pedia... Teimosamente, o ministro manteve-se na sua. Salazar respeitou-o. Era de seu direito. Galvão não pôde candidatar-se e, passados tempos, estava a conspirar.
O DITADOR QUE EXTINGUIU A DITADURA
Uma das grandes preocupações de Salazar, mal ascendeu ao Poder, foi institucionalizar a situação criada pelo 28 de Maio. Era um homem de Direito, queria um Estado de Direito. Daqui o haver sido plebiscitada a Constituição antes de decorrido um ano sobre a sua posse como Presidente do Conselho.
A situação estabelecera forças de que os militares não abdicavam facilmente, em redutos que o estadista acabou por aproveitar, conservando-os embora nas mãos de oficiais do Exército. Tal sucedeu, por exemplo, com a Censura à Imprensa e com as Polícias.
Em todo o caso, ele sustentou durante anos uma luta tenaz pela defesa do poder civil contra a oligarquia militar, da mesma maneira que teve a maior firmeza em defender o poder civil da elite católica a que estivera ligado. A esta, aliás, preveniu-a antes de tomar posse do cargo de ministro das Finanças, com estas palavras que as «Novidades» publicaram no próprio dia 27 de Abril de 1928:
Diga aos católicos que o meu sacrifício me dá o direito de esperar deles que sejam de entre todos os portugueses os primeiros a fazer os sacrifícios que eu lhes peça e os últimos a pedir os favores que eu lhes não posso fazer.
Acerca da forma como Salazar conseguiu refrear a tropa, correu na altura em Lisboa a seguinte graça:
«É o mesmo processo que se emprega para os croquettes: primeiro estende-se a massa; depois corta-se a massa; a seguir enrolam-se. Quando estão prontos, picam-se com um palito e comem-se».
Essa e outras pilhérias do mesmo género eram uma das armas da má-língua nacional a fomentar desde o início o desentendimento entre o ministro das Finanças e as Forças Armadas.
À medida que institucionalizava o regime, Salazar ia fazendo o possível para restituir as Forças Armadas à sua função específica. Não era fácil, dizíamos, porque a muitas das situações criadas só o tempo poderia acudir.
Em 1936, quando começou a guerra de Espanha, os chamados republicanos do país vizinho atravessavam impunemente a nossa fronteira, de armas na mão, para virem fuzilar e fazer prisioneiros em território português. Salazar quis saber de que forças dispúnhamos para impor a nossa autoridade. Se tivéssemos então a mentalidade que foi, perto de quarenta anos mais tarde, a de alguns gloriosos militares, ter-se-ia recorrido a uma solução política, a qual seria por certo agacharmo-nos e deixar os outros fazerem o que quisessem. Salazar torceu-se com a informação: não tínhamos meios para nos defendermos. Assegurou então em conselho de ministros:
- Espero que nunca mais nos aconteça o mesmo.
Começaram aí os esforços maiores para o rearmamento do Exército. E daí também a atitude tomada em face dos acontecimentos que iam arrastar-se na Península.
Não faltaram na altura ao Presidente do Conselho português desentendimentos de alguns países amigos, mas ele foi de uma firmeza que não cedia. Mais tarde viriam a dar-lhe razão os que acabaram por compreender o significado real da guerra de Espanha e sentiram a utilidade da aliança peninsular na zona de paz que as duas nações da Ibéria puderam ser durante a II Grande Guerra.
O homem de Direito, dizíamos, queria um Estado de Direito. Não queria uma ditadura, ele que foi ao depois tão apodado de «ditador», nem deixou nunca de insistir no carácter transitório da situação ditatorial, a que pôs termo.
Plebiscitada a Constituição, começou a elaborar, cautelosamente, entre as dificuldades causadas pelos acontecimentos externos, a par da estruturação, o funcionamento normal das instituições, que as não queria apenas no papel.
Certo, o orgulho não podia deixar de exultar no êxito da sua obra, mas não deixava de se reflectir também na prevenção de que ela resistisse e perdurasse para além da vida do construtor:
Passa breve a memória dos homens na história e na memória dos povos, nem politicamente convém - tanta vez as circunstancias obrigam a sacrificá-la - consubstanciar numa individualidade, por mais alta e poderosa que seja, todo o futuro duma obra colectiva.
Num trabalho, que haveria de ser necessariamente extenso, sobre a evolução do pensamento de Salazar, não poderia deixar de ressaltar, documentada passo a passo, a rectificação constante dos seus conceitos e dos seus métodos. Tinha, é certo, uma linha de acção, logo ao princípio definida - o financeiro, o económico, o social, o político - numa ordem em que se traduzia um pensamento e um programa de realizações, baseados não no critério da excelência senão no da conveniência da execução prática. Num ou noutro ponto haveria concepções limitadas, perspectivas em que o professor de Coimbra não tinha os horizontes (nem as limitações) de um homem de governo, instalado em Lisboa, perante dificuldades que se alargavam a todas as longitudes da Terra. Quem publicou, por exemplo, o Acto Colonial, não pensava da mesma forma que o futuro defensor da unidade imperial portuguesa. Aprendeu muito com alguns dos que o consideravam seu inimigo; e esta verificação, longe de o diminuir, só pode significar homenagem à sua inteligência, à sua maestria na arte da política, às rectas intenções do seu proceder.
Não lhe bastava, contudo, governar bem. Era mister que os actos do governo fossem apreciados publicamente, em estrita objectividade, sem paixões e sem relação com as pessoas dos governantes.
Três meios havia para o conseguir: a Imprensa, a Assembleia Nacional e o Tribunal de Contas.
Quanto à primeira, Salazar não se atreveu nunca, apesar de solicitações que nesse sentido lhe foram apresentadas, a extinguir a censura prévia aos jornais, recebida em herança da Ditadura Militar. Era um dos feudos das Forças Armadas. O outro era a polícia política. Só no tempo de Pedro Teotónio Pereira, ministro da Presidência, a direcção da Censura foi confiada a magistrados de carreira.
Às ofensivas contra a Censura o estadista reagia com a opinião de que ela era mais educativa da forma de convivência política dos portugueses dos diferentes sectores do que repressiva do pensamento. E, uma vez pelo menos, em que falou sobre o assunto com o director de um jornal de grande informação, perguntou-lhe se tinha alguma razão de queixa da Censura, se esta era opressiva como diziam. A resposta foi negativa:
- Nada, nada! Corta uma ou outra coisa sem importância, uma ou outra expressão de pormenor, mas nada que prejudique a vida normal do jornal, nem o esclarecimento da opinião publica...
É de notar que a Censura, por um lado, tranquilizava os directores dos jornais, na medida em que os dispensava em grande parte do controle da matéria a publicar, e por outro era uma entidade à qual com frequência atribuíam as culpas da não publicação de artigos e notícias de cuja existência sequer a Censura ignorava.
Mais do que uma vez, um ou outro autor foi à Censura protestar por ter sido cortada a sua prosa e ouviu a explicação admirada do censor:
- Mas esse artigo não nos foi mandado!
A uma pergunta sobre a Censura, que lhe fizera em entrevista o escritor brasileiro Álvaro Lins, antes de ser embaixador do seu país em Lisboa, Salazar respondeu:
- Enquanto a nossa Imprensa não conseguir criticar o Governo dizendo que determinada decisão está errada por esta, aquela e aqueloutra razão, em vez de se limitar a dizer que o senhor ministro Tal é burro ou é desonesto, parece-me que a Censura continua a ser indispensável.
Em compensação as outras formas de crítica à actividade governativa foram perfeitamente exercidas. Todos os anos a Assembleia Nacional designava uma comissão encarregada de ler e apreciar as contas gerais do Estado. Foi relator dessa comissão durante muitos anos o Engenheiro Araújo Correia, muito conhecido pela sua independência de espírito e pelo seu desassombro. Não poupava ministros nem serviços do Estado, que saíam por vezes mal, feridos pelas apreciações da comissão.
Falando duma vez a respeito do relator, o Presidente do Conselho comentava:
- O sr. Engenheiro Araújo Correia aproveita o exame das contas do Estado, para ajustar as suas contas com alguns ministros.
O terceiro elemento de fiscalização, o Tribunal de Contas, não se continha nas suas exigências de explicações aos serviços e, algumas vezes, determinou que fossem repostas, a qualquer nível de hierarquia burocrática, importâncias pagas fora dos preceitos rígidos da lei. Bons tempos! ...
Na vedoria da administração pública a Assembleia Nacional dispunha, além do exame feito pela comissão, das intervenções dos deputados. Para um governante encerrado no isolamento do se gabinete de trabalho, conhecendo o que se passa cá fora através das informações dos serviços, dos contactos com os ministros, dos relatos dos jornais (tanta vezes feitos sob influências), de carta escritas com frequência pelos interesses e paixões pessoais, e de alguns raros íntimos, as questões apresentadas no parlamento por deputados mais recalcitrante valiam como elemento de conhecimento não despiciendo. Ainda que pudessem desagradar-lhe, o Chefe do Governo considerava-os necessários.
Assim foi que defendeu a presença. na câmara do Prof. Jacinto Ferreira pelo desassombro com que ele apresentava problemas de inegável interesse geral. Aquele deputado, porém, dirigia semanário monárquico «Debate», onde em certa ocasião se publicou, disfarçada, uma censura ao Presidente da República, general Craveiro Lopes, a propósito da visita deste ao Minho. Na lista do deputados elaborada pela União Nacional para as primeiras eleições de deputados que se realizariam a seguir, o nome de Jacinto Ferreira não constava entre os reelegíveis. Salazar repontou:
- Falta aqui o nome daquele rapaz que é professor de Veterinária...
Mário de Figueiredo, que não gostava de Jacinto Ferreira, explicou-lhe:
- Lembras-te de que publicou no «Debate» um ataque ao Chefe do Estado? Apresentá-lo à reeleição pareceria acintoso...
0 Presidente do Conselho torceu-se, mas aceitou. Um dos seus preconceitos era o respeito escrupuloso pela pessoa do Chefe do Estado.
Aconteceu um caso semelhante com Henrique Galvão. Era este um oficial inteligente, bom escritor, aventureiro com inegáveis qualidades de realização mas também com uma fantasia, uma irrequietude, uns excessos e umas faltas, que incomodavam. Nomeado inspector da administração ultramarina, depois de alguns anos de trabalho no Ultramar, acabou por ser posto à margem, sem que os ministros o encarregassem de qualquer actividade.
Quando Marcelo Caetano foi chamado para ministro das Colónias, encontrou no ministério aquele inspector de remissa. Perguntou porquê. Que era um homem complicado e pouco honesto, diziam-se coisas... Mandou vir o processo do funcionário. Ao espírito rectilíneo do ministro repugnava a permanência de um funcionário a ganhar sem produzir. Ou era competente e trabalhava, ou não era e mandava-se embora.
Henrique Galvão passou a prestar serviço como inspector e, entretanto a União Nacional entendeu por bem apresentá-lo entre os candidatos a deputados que patrocinava.
Numa das suas inspecções em Angola deparou-se a Galvão um caso de negociata graúda em que eram lesados os interesses do Estado. Fez um longo relatório sobre o assunto e apresentou ao ministro, já então Teófilo Duarte, sucessor de Caetano. Teófilo era um homem honestíssimo, mas estava afundado em trabalho mais urgente. Pôs de lado, para ler depois, o volumoso processo apresentado pelo inspector. Este, impaciente com a demora, resolveu levar o caso à Assembleia Nacional. E então o ministro exasperou-se: viu naquele acto um delito de publicação de matéria confidencial do ministério por parte de funcionário responsável e, sobre a inconfidência de serviço, a incorrecção pessoal. Simplesmente o funcionário gozava das prerrogativas parlamentares. Teófilo encanzinou-se, e se não buliu em Galvão também não lhe perdoou.
Tempos volvidos, quando se preparava nova eleição para deputados, Salazar aconselhou a União Nacional a incluir entre os dos candidatos que patrocinava o nome de Henrique Galvão, cujas revelações na Assembleia foram para ele esclarecedoras. Galvão, porém, necessitava, como funcionário, da autorização prévia do ministro para se candidatar. E aqui Teófilo foi inexorável: negou a autorização.
Salazar insistiu. Chegou a encarregar o presidente da comissão executiva da U. N. de pedir a Teófilo que assinasse a autorização. Que era o próprio Doutor Salazar que lhe pedia... Teimosamente, o ministro manteve-se na sua. Salazar respeitou-o. Era de seu direito. Galvão não pôde candidatar-se e, passados tempos, estava a conspirar.
Pois é... Depois admiram-se que os ladroes continuem à solta!
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